sexta-feira, 8 de julho de 2011

O professor que odeia o livro

Gente, achei muito interessante esse texto que recebi de uma colega. A reflexão do autor diz respeito a nossa formação; independente da nossa área de atuação.



É considerado habilidoso aquele soldado que carrega rapidamente sua arma e em fração de segundos tem o inimigo sob mira certeira. Também é muito apto o trabalhador fabril que ajusta uma peça na velocidade correta, então deslocada na sua direção por uma esteira na linha de montagem. Velocidade e destreza, nesses casos, são essenciais. Essa velocidade e essa destreza, uma vez no campo da leitura, talvez sejam exigidas no e-mail e no twitter. Todavia, valem pouco para os intelectuais que, enfim, se alimentam antes de tudo do livro.
O livro é o campo do intelectual. Não é o campo do estudante que, enfim, é transformado pelos professores, quando muito, no soldado, no trabalhador fabril e no leitor de twitter. O estudante é tirado, pelo professor, da estrada que poderia transformá-lo em um intelectual ou, ao menos, em uma pessoa capaz de autonomia de julgamento. Vítima de pequenos textos em forma de cópia Xerox, o professor tornou-se alguém que perpetua a cultura da pressa e do acúmulo, tornando seu aluno igual a ele próprio, antes um meio leitor que um leitor.
Esse professor é um inapto. Mas o pior é que ele é um produtor de inaptos. Há muito ele caiu no conto de uma das vias da modernidade, a que confundiu rapidez com objetividade. No campo de batalha, o soldado que arma seu fuzil rapidamente e de modo mais veloz ainda tem o inimigo sob mira, recebe o nome de um “atirador objetivo”. De modo menos dramático é o caso do “jogador objetivo”, que finaliza bem e reduz o jogo todo a algo muito chato caso não exista o gol. Essa noção de objetividade desliza erradamente para a atividade do leitor e, então, qualifica o que é o “leitor objetivo”. Este, desse modo, é o que “vai direto ao ponto” no texto e não sucumbe às diversas possibilidades interpretativas. O que deveria ser uma virtude do bom leitor, que é justamente a capacidade de sucumbir às diversas possibilidades interpretativas, indo e vindo no texto, parando para repensar e fazer conexões próprias, agora é o comportamento condenado.
Nessa cultura que a filósofa Olgária Matos chama de o “vamos direto ao ponto”, as palavras subjetivo e objetivo perdem sua melhor significação. Subjetivo não é mais próximo de reflexivo e, sim, de confuso e lerdo. Objetivo continua a ser quase sinônimo de verdadeiro, mas não pela sua qualidade de independência e, sim, pela sua simplicidade e rapidez. Essa confusão de conceitos que criou o leitor de nossos tempos, o leitor não intelectual, é comemorada então pela universidade que abriga o professor inapto.
Esse professor começou sua carreira sem perceber que iria se tornar o que se tornou. Ele não se matriculou em um curso para ser imbecil, é claro. Mas ele não foi suficientemente esperto para escapar da tarefa que ganhou nos primeiros dias de aula, talvez bem antes da universidade, tarefa esta que ele, depois, passou a repetir com seus alunos candidatos a aleijões mentais. Foi lhe dado, logo no início de sua vida escolar, antes a tarefa de resumir textos e colocar “as idéias principais” que a tarefa de compreender o texto e expandi-lo por meio da imaginação, criação e busca de erudição. Assim, de resumo em resumo, no afã da atividade de tornar tudo menor, mais rápido e curto, ele acabou encurtando, verdadeiramente, sua inteligência. Ficou curto mentalmente. Nada lê para criar. Tudo lê para fichar. Até seu mestrado e doutorado foi feito assim, por meio de “fichamentos”. Ele até chegou a ler um manual de metodologia científica que aconselhava o fichamento! Ele se tornou, assim, uma pessoa limitada se sem a menor idéia do que é ser um leitor. Ganhou um “Dr” na frente do nome, que o legitimou nessa atividade que ele acredita que se encaixa na universidade perfeitamente. Exibe esse seu hábito de pegar atalhos, que o torna um símio, e é assim que se comporta: exibe seu método de “fichamento”, resumo, e leitura do crime do Xerox como o macaco exibe o pênis quando vê a fêmea humana.
Paro por aqui, pois já ultrapassei o tanto de linhas que os alunos desse professor conseguem ler. Eu disse os alunos, ele mesmo, o dito professor, parou bem antes, no segundo parágrafo. Esse tipo de professor se tornou um ejaculador precoce. Ele não leva adiante nada que ultrapasse uma lauda, e mesmo assim, às vezes não termina nem mesmo uma lauda uma vez que, precisando de dicionário, não o apanha na estante e tem preguiça de consultar o da Internet, aberta na frente dele.

© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

Por Munique Pinho

Nenhum comentário:

Postar um comentário